Anúncios de cabeçalho

A Revista Academus é uma editora inovadora no cenário literário moçambicano, dedicada a publicar e promover autores emergentes. Oferecemos serviços completos, incluindo revisão, edição e design de livros, sempre com um compromisso inabalável com a qualidade. Nosso objetivo é fornecer aos escritores as ferramentas e o suporte necessários para transformar suas obras em sucesso, enquanto ampliamos a visibilidade de suas publicações tanto localmente quanto internacionalmente

Iminência da terceira democracia - por: Dudú de Cristina

 Iminência da terceira democracia

Por: Dudú de Cristina Remígio Mamba[1]

Licenciado em Ensino de Filosofia com Habilitações em Ética,

dudu.remigio.mamba@gmail.com


1. A modo de introdução

Os gregos, além de serem ávidos amantes do exercício do pensar teórico, foram também um povo sonhador. Um dos seus sonhos colectivos foi o de possuir uma sociedade justa, coesa e harmónica onde cada um poderia alcançar os seus propósitos da vida.  Para eles, conforme defendem Gorczevski e Martin (2011), esse sonho seria possível  se todos os integrantes da sociedade (com destaque,  homens nativos e livres) tivessem um espaço para apresentar o que pensam sobre a sociedade e como a mesma deveria ser organizada. É por isso que decidiram inventar democracia olhando nela como um caminho que a partir do qual deveria se encontrar a justiça social diferentemente de outros caminhos que, na altura, eram seguidos noutras sociedades no caso da Monarquia e da Aristocracia.

No princípio, a democracia foi encarada como meio pelo qual os citadinos da Grécia poderiam contribuir ideologicamente nos destinos da sua sociedade (Gorczevski & Martin, 2011). Isto quer dizer que os gregos inventaram a democracia como algo exclusivo. É como um pai que decide traçar regras que devem ser obedecidas pelos filhos, na sua casa, independentemente do juízo de valor que for construído sobre elas  por outros pais, filhos ou vizinhos. Neste exemplo, reina a liberdade (incluindo a do pensamento), a autonomia e o poder paternal. É o que os gregos fizeram ao inventar a democracia. Eles não contaram que essa forma de se posicionar perante a sociedade viria mais tarde a ser adoptada por outras nações.

Literalmente, democracia é governo do povo. Através dela, reza-se que o povo é que está no poder ou ainda o poder reside no povo (Chauí, 2000). Mas, como é que esse pode povo pode governar? Essa questão fez com que existissem dois tipos de democracia. O primeiro é aquele dos gregos (a primeira democracia). O segundo é o que temos nas sociedades actuais (a segunda democracia).

 

1.1 A primeira democracia

A democracia dos gregos foi directa. Ou seja, quem fosse homem, livre e ideologicamente convincente e que gozasse dos direitos políticos, cívicos e sociais tinha o privilégio de ir directamente na Assembleia popular para fazer valer o seu posicionamento sobre os destinos da sociedade (Chauí, 2000). O sentido, entretanto, que o conceito democracia teve em termos originários, foi diferente do que se vivia na realidade. Não eram todos que tomavam as decisões. Eram somente os gregos nativos desde que fossem homens e livres. Logo, ficavam excluídos as mulheres, os escravos e os estrangeiros. Tratava-se de uma democracia excludente. Aqui, a expressão “governo de todos ou do povo” era somente teórica e originária da palavra. Na prática, era governo de alguns.

 

1.2. A segunda democracia

Com o desenvolvimento das sociedades, pensou-se que a sociedade pode ser justa se forem somente algumas pessoas que devem representar os interesses de todos na sociedade onde vivem. Para isso, movidos pela liberdade, justiça e transparência,  basta o povo eleger os seus dirigentes a partir do voto secreto (Bobbio, 2004). A ideia que se transmite nesse tipo de democracia é esse segundo a qual o poder estaria nas mãos do povo, mesmo que quem governe não seja ele.

Embora o seu significado literal não sofra alteração ao longo da história, a democracia posicionou-se como um processo de exclusão onde alguns governam em nome da maioria ou de todos. Na primeira democracia, os que tinham possibilidade de se apresentar à assembleia popular, estavam mais interessados pela sua reputação individual. Ou seja, ninguém se interessava com os excluídos.  Na segunda democracia, existe o interesse ainda de se defender  os propósitos particulares, a luta pelo poder mesmo que isso custe a vida humana e, acima de tudo, a transformação das vontades partidárias como vontades nacionais. O povo não governa, não se encontra nos seus governantes, sente-se traído e excluído no sistema governamental. Como resultado, exige o seu poder, as suas liberdades e os seus direitos, começando por  desacreditar os seus governantes e aliando-se às políticas opositoras.

 

1.3. Iminência da terceira democracia

A principal lição que se pode tirar da primeira democracia é a confluência e imprescindibilidade dos direitos e das liberdades no processo da decisão sobre os destinos da sociedade que foram ofuscados na segunda democracia.

Esse fenómeno cria espaço para a emergência de uma terceira forma de democracia: a democracia de vingança e revolta popular. Ela se baseia no descrédito do povo em relação às promessas e planos de governos libertadores, resultando em desobediência civil que culmina em manifestações menos pacíficas e mais violentas. Como afirma Lipovetsky (2017), haverá uma confluência entre violências selvagens e modernas.

Vive-se, actualmente, um fenómeno jamais visto em toda a história de África, de modo particular em Moçambique. O povo está combatendo severamente aos seus governos libertadores, porque as grandes utopias que os governos de libertação construíram no processo da conquista das suas independências políticas, que se resumem em justiça social, igualdade e transparência na gestão do bem público parecem ser realidades ainda fora do alcance colectivo. Os partidos da oposição estão ganhando mais terreno, aceitação e triunfo.  O povo está deixando de ter medo.  Os jovens não têm nada a perder. Os governos no poder sentem-se cada vez mais ameaçados. Todos parecem duvidar ou não acreditar no processo eleitoral.  Os partidos no poder estão perdendo paulatinamente acentos parlamentares. O futuro parece ser reservado para mais conflitos que serão provocados pelo povo, colocando como bode expiatório os seus políticos que os apoiam. Golpe de Estados parece ser umas das recorrências que muitos sonham concretizar nos seus países. Constrói-se, como diz Castells (2013), as redes de indignação e esperança.

A terceira democracia, portanto, ampliará o espaço para a retaliação ou pressão popular sobre o governo. Diferente da primeira democracia, que buscava a tomada directa do poder, essa terá como objectivo fortalecer e tornar visíveis as liberdades e direitos fundamentais. Esses ideais, sonhados na primeira democracia e ofuscados na segunda, incluem justiça social, gestão equitativa do bem comum e igualdade de oportunidades para cidadãos de todas as classes.

Quando o povo de Israel descobre que Jesus que esperava não é Aquele que Deus lhe havia mandado, sentiu-se traído. Vociferando juntos, pediu a Pilatos que soltasse Barrabás e condenasse Jesus, que anteriormente, foi apresentado por Deus como salvador do povo oprimido.

O povo de Israel acreditava que Jesus que Deus tinha mandado se resumia na palavra, num senhor de discursos,  pelos quais prometia um mundo que não se adequasse com a realidade concreta dessa época. Aos seus olhos, Ele não podia resolver os seus problemas sociais, a sua miséria, a sua fome, os seus direitos políticos, cívicos e sociais, a sua opressão e a sua desumanidade.

Pelo contrário, Barrabás, que os israelitas preferiram em substituição a Jesus, era um senhor de acção, que se identificava com a causa do povo, com a realidade de opressão que se vivia e, acima de tudo, combatia, severamente, os políticos da época defendendo a cidadania dos seus compatriotas. Por isso, tinha sido preso e não era bem-vindo para o sistema político.

Em África, assiste-se, actualmente, um fenómeno que coloca em risco ou, que chama atenção aos Governos Libertadores. Em quase todo o tempo, vive-se um clima de descrédito onde o povo acusa aos seus governantes como insensíveis e os seus discursos não se adequam com a realidade concreta que se vive. Paulatinamente, o povo prefere que surja no meio deles um Barrabás que, provavelmente, levará os seus interesses ao lugar seguro e socialmente, considerado conveniente.

A Terceira Democracia fará com que o povo esteja aliado àqueles que foram, anteriormente, considerados opositores; fará com que as eleições directas (que, em todo o mundo, são realizadas sempre num ambiente de protestos, desconfianças, incertezas e mortes – mesmo nas grandes potências ao nível político e económico) não sejam o único critério de se determinar quem deve governar; fará com que as eleições directas sejam realizadas se e só se for necessário e não quando se completar 5 ou 10 anos de mandato. Há bons líderes políticos que devem governar em mais de 5 ou 10 anos e há maus ou mesmo piores líderes políticos que não deveriam governar em 5 ou 10 anos.  Com o surgimento da Terceira Democracia será o fim da Democracia representativa ou, caso ela continue a existir, teremos novos moldes de se exercer a representatividade. Por possuir um discurso eloquente ou por convencer à maioria, mesmo que esteja mentindo ou defendendo os seus próprios interesses, os do seu partido político e os da sua família, cada um vai sentir-se capaz de dirigir na sociedade. Se não sentir-se capaz de dirigir, então estará pronto para protestar quem for a dirigir.

Em África, entre 2020 a 2023, foram registadas várias tentativas de golpe de Estado, sendo a última (até quando da publicação deste artigo) em Níger. Esse fenómeno assemelha-se com o de Mali e Sudão que estão na posse dos militares em protesto dos Governos que estavam no poder. Esse é um dos sinais da polivalência do nascimento do descrédito dos governos actuais e o surgimento daqueles que se acreditam que possuem também o poder de dirigir. Dito de outra maneira, e nas palavras de Castells (2013, p. 19), “os políticos foram expostos como corruptos e mentirosos. Os governos foram denunciados”.

Em Sri Lanka, por viver um tempo de muita crise económica e política, o povo decidiu invadir e ocupar todos os lugares do palácio presidencial, exigindo que o presidente se demita. Poucos dias depois, o presidente demitiu-se. No Brasil, o povo decidiu invadir e ocupar a sede dos três poderes, destruindo quase tudo em forma de reivindicação. Os meios de comunicação social transmitem, em todo o mundo e todos os dias, fenómenos relacionados com manifestações e greves dos professores, dos médicos e de outros grupos sociais protestando aos seus dirigentes e acusando-os de miopia social, insensibilidade, e, acima de tudo, de irreconhecimento.

Na verdade, não se trata de uma simples manifestação. Trata-se do início de uma nova era do exercício do poder. O povo, aos passos largos, quer exercer o seu poder e não se limitar a escolher àqueles que, cultivando o medo e optando por ficarem calados, representam-se a si próprios.  E, em Moçambique estamos à beira da terceira democracias. Em breve testemunharemos.  

 

Bibliografia

Gorczevski, Clovis & Martin, Nuria Belloso (2011). A Necessária Revisão do Conceito de Cidadania: Movimentos Sociais e Novos Protagonistas na Esfera Pública Democrática. Santa Cruz do Sul: EDUNISC.

Lipovetsky, Gilles (2017). A Era do Vazio. Ensaios sobre o individualismo contemporâneo. Lisboa, Portugal: Edições 70.

Chauí, Marilena (2000). Convite à Filosofia. São Paulo: Ática.

Castells, Manuel (2013). Redes de Indignação e esperança. Movimentos sociais na era da internet. Braga: Fundação Calouste Gulbenkian.

Bobbio, Norberto (2004). Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Elsevier.



[1] Dudú de Cristina Remígio Mamba é natural de Cabo Delgado.  É professor de Filosofia afecto no Serviço Distrital de Educação, Juventude e Tecnologia de Mueda onde trabalha na Repartição de Ensino Geral como Técnico do Ensino Primário;  É Bacharel em Filosofia, pelo Seminário Filosófico São Carlos Lwanga de Nampula; Licenciado em Ensino de Filosofia com Habilitações em Ética, pela Universidade Pedagógica de Maputo; Mestrando (finalista) em Ciências da Educação com especialidade em Administração e Regulação da Educação, na Academia Militar Marechal Samora Machel de Nampula. Publicou os livros As 8 virtudes que não se aprende na sala de aulas, na editora Novas Edições Académicas; 10 princípios para uma educação qualitativa, na Inter Escolas Editores; As 8 virtudes que não são aprendidas na sala de aulas (2ª ed.), na Ntxuva Editora.

 

Enviar um comentário

0 Comentários